sábado, 13 de outubro de 2018

Shema Israel

Terça-feira, 5 de janeiro de 2016


Com os mares digitais revoltos  posso dizer que este marujo marcado pelo tempo  enfrentou tempestades, raios e trovões nesta travessia. As previsões e  análises deste mesmo que vos escreve, pareciam favoráveis. A relação do projeto Shalom Israel com as recentes ondas de terror e anti-semitismo são cristalinas. Algumas pessoas me cobraram mais elementos; “visuais, encantadores, persuasivos”. A tal objetividade... Pois bem, amanheço neste dia com meu salvo conduto pronto. Fui autorizado por forças maiores à abandonar o navio. Mas, não à missão. Esta por hora ficará à encargo dos divinos mistérios do universo.

Ninguém sobrevive impunemente a uma longa jornada repleta de desejos, sonhos e aspirações. Deparar-se com as intempéries da vida é deparar-se com a própria natureza da odisséia humana na terra. Trago no coração as dores ocultas por noites escuras e uma solidão tremenda capaz de provocar delírios.  Porém foram as noites estreladas e iluminadas por encontros casuais extraordinários que me valem essas palavras. O diário de bordo da missão Shalom Israel fica por hora incompleto. Enquanto houver mares  navios e rotas abertas para um sonho, lá eu estarei.

Antes de embarcar, ainda com os pés na terra firme, meus pensamentos fluíam  para uma mesma direção; – Israel! Lembre-se que compartilhar essa vontade com vocês nas redes-sociais por meio de uma  plataforma de financiamento coletivo “Crowdfunding” foi em suma, um ato desesperado de um marujo que tendo esgotado todas as suas possibilidades lançou-se ao mar com bravura e coragem numa embarcação pequena e desfavorável. Assim mesmo foi melhor que ficar parado no porto à ver navios chegar e partir.

Essa história teve inicio em outubro de 2014 e ganhou contornos de um romance de realismo mágico e por vezes até cruel. Revelar a totalidade dos fatos e motivações é algo que o tempo há de se encarregar. Sei que minhas ações mais cedo ou mais tarde renderão surpresas reservadas àqueles que tem coragem e se lançam no infinito. Em algum momento vou receber um  sinal, uma resposta.  

Em busca de grana para curtir as festividades do final de 2014, estava empenhado prospectando clientes. Ligava para um. Mandava e-mail para outros. Agendava visitas ou simplesmente saia por ai em busca de zonas comerciais batendo de porta em porta.  Foi num desses encontros da vida que conheci uma cliente interessada em promover seus serviços e divulgar sua marca na capital amazonense. Uma brasileira filha de um proeminente empresário Palestino que migrou para o Brasil na década de 1950.

Descobrir esses detalhes é tão natural quanto perguntar ás horas para mim. Entre  as visitas que precisei fazer para alinhar detalhes da logo-marca, cartão de visita e redação publicitária referentes ao específico trabalho conversávamos sobre outros assuntos relativos à vida profissional, bem como sobre algumas aspirações e desejos. Em dado momento revelei meu imenso desejo de chegar até Israel e  a Palestina para ver de perto tudo o que acontece por lá. Tudo o que eu sempre lera desde criança sobre os conflitos de interesses que agem naquela região do mundo.

Não mais que de repente, a mulher disparou; Tu sabes fazer documentário? Um sorriso me veio a face desde lá do fundo da minha alma. Respondi prontamente que sim, enquanto alegava todas as minhas prerrogativas e paixões por este tipo de desafio. Então ela me disse. Estou indo para Europa em breve. Vou pensar nessa ideia em alguns dias te falo. Eu não poderia ficar menos empolgado com a possibilidade de estar em Israel e ainda mais entrar na Cisjordânia. Um pesquisador, um jornalista e aventureiro deseja sempre ir mais longe. Ultrapassar barreiras físicas e ideológicas para realizar desejos que por vezes são incompreendidos.

Precisava botar mais lenha nessa fogueira. Senti que poderia conseguir existo nesse desejo tão caro para meus bolsos. Um assunto que estivera comigo desde que passei a prestar atenção às noticias e ler jornais. O assunto Israelo-Palestino. A resposta veio rápida, embora com certa insegurança nas palavras. A resposta foi positiva. A mulher bancaria o projeto com a ajuda da comunidade árabe. Logo que foi mencionado por ela “apoio da comunidade árabe” deixei bem claro que: Eu não estava ali para fazer um trabalho por encomenda. Meu trabalho era produzir um documentário, o que é diferente de um trabalho jornalístico.

Meu trabalho de conclusão de curso foi justamente sobre este tema; A diferença entre o documentário e uma grande reportagem. Queria mesmo é fazer um documentário, que por tanto, prescinde uma leitura mais sensível e subjetiva dos fatos. Assim sendo, prosseguimos com os embaraços burocráticos e financeiros. Como adultos civilizados e esclarecidos fechamos um acordo verbal. Sim, um acordo verbal. Podem rir e me chamar de idiota. Mas foi assim que tudo sucedeu e talvez por isso você agora fica sabendo de tudo isso. Do contrário, com um contrato em mãos, deixaria tudo nas mãos da justiça.

A viagem até Israel é bem longa. Embarquei sozinho num   vôo procedente de São Paulo com destino a Tel-Aviv onde encontraria a produtora executiva do projeto. Precisei descansar um dia inteiro antes de estar esperto para começar meu trabalho. Ainda no primeiro dia, percebi que as facilidades acabaram ali. Chegar até lá foi fácil. Difícil seria preservar minha paz e sanidade ao lado da mulher que me contratou.

Tomada por emoções que fogem da minha compreensão a mulher passou agir com extremo fundamentalismo e parcialidade. Tudo o que eu mais queria evitar. Estávamos hospedado na casa de uma judia brasileira que construiu toda sua vida em Israel, famílias, filhos e uma carreira profissional. Ela nos convidou para conhecer um Kibutz. O primeiro Kibutz que conheci na vida. No caminho de Petah Tikva até o Kibutz começaram as primeiras acusações por parte da minha contratante que se mostrara irredutível e inconciliável com as explicações da Judia. Tentei acalmar os ânimos. Mas a mulher parecia possessa e certamente muito inconveniente para uma judia que gentilmente cedeu sua casa pra nos receber.

Dali em diante  somaram-se ingerências inaceitáveis. Eu não poderia aceitar. Passei a ser atacado diariamente com insultos e palavras que visavam desqualificar meu trabalho que até então acabará de começar.  (*bom...sem mais detalhes, isso só mesmo em um livro). O fato é que uma pedra desceu o morro e  arrastou  as outras até provocar uma imensa avalanche que destruiu por completo ás possibilidades de um trabalho audiovisual.  Perdi tudo. Todo o material, equipamento. Sai sem nenhum tostão e ainda fui chamado de ladrão. Alguns colegas diriam “ossos do ofício”... seja como for. Fiquei num prejuízo tão amargo que 2015 passou e eu nem vi. Tamanha foi minha frustração, do tamanho da minha expectativa. Fiquei bem triste, com reflexos até na minha saúde física.

Foi meu último dia em Israel que deixou esse legado. E quanto à isso, posso dizer, que foi por inteira responsabilidade dos mistérios da vida. Já escrevi sobre isso. Voltado de Jerusalém para Tel-Aviv. Fazia tanto frio que a neve começou a cair. Minha tristeza era tão fria e cortante. Desci num ponto de ônibus com uma mala enorme. Estava crente que o aeroporto ficava próximo daquele ponto. Ainda que fosse mil metros para mim tudo bem.

Arrastei por mais de meia hora aquela mala feia e azul antes que as rodinhas se quebrassem nas ruas próximas ao Bem Gurion Airport. Embora a neve tenha ficada para trás, nas montanhas de Jerusalém, o vente frio se fazia presente na litorânea Tel-Aviv. Andei, andei, andei até que um pequeno carro azul passou devagar, buzinou e deu sinal que ia encostar. Distraído em pensamentos nem me dei conta. Sem nenhuma esperança segui em frente até que me deparei com o sorriso daquela jornalista.

Hi – are you going to the airport?

Ela sorria e parecia muito amigável. Meu semblante estava visivelmente abatido e cansado.

Yes – i AM!

Ok,  i give you a ride – I am going to the airport  and it is still far from here!

Aceitei – entrei naquele carro e conheci a pessoa mais importante para meu projeto Shalom Israel além de mim é claro. Vejam só, quantas “coincidÊncias”. Uma jornalista, ativista com uma vida marcada pelo ativismo social e politico. Uma mulher que trazia nas suas ações um discurso mais forte que qualquer palavra. Naquele mesmo dia ela estava indo ao aeroporto buscar outro amigo na estação de metro do aeroporto. Outro jovem que se dedica à trabalhos não remunerados com a finalidade de promover ações sociais e educativas.

Foi um encontro divino. Parecia que eu tinha encontrado velhos amigos. Até da reunião eu participei. Eu já estava me despedindo quando a jornalista me perguntou.  – Que horas é seu vôo para o Brasil? Respondi que ás 23 horas. Ainda eram três horas da tarde e fui convidado para participar da reunião na casa dela, próxima do aeroporto. Surgiu  ali uma amizade espontânea. Era natural que com tantos interesses em comum tivesses tal liga.

Dizia à todo instante que meu trabalho fora perdido. Que estava triste, mas acreditava que aquele encontro casual tinha algo mais. Era como uma resposta para minha desesperança. Uma guinada inesperada nas minhas últimas horas em Israel que fez toda a diferença. Dali em diante o ano prosseguiu. No caminho até aqui uma paixão inesperada. Um presente lindo dos céus. Meu desejo de voltar a Israel só aumentou.

Lembrando mais uma vez que teria ido sozinho e sem alarde com meus próprios recursos, fazer cumprir esse desejo conforme minha vontade. Mas tudo deu errado, nada de emprego em 2015. Até uma grana, dada como certo pelos meus advogados, referente à uma causa trabalhista não saiu. Cá entre nós, entre eu e você meu caro leitor oculto. Era com essa grana que compraria minhas passagens com destino a  Israel honestamente. A justiça adiou em um anos sua sentença para meu caso. A lágrima saltou dos meus olhos quando a juíza revelou que eu nem sequer poderia estar ali naquela audiência por uma questão técnica.

Sem tempo para chorar e apaixonado comecei a rabiscar no papel um plano. Queria me distrair para não cair em desespero. Rabisquei minha agenda desenhos e tópicos com assuntos e temas que deveria explorar. Já era outubro de 2015 quando esse episódio ocorreu. Alguns amigos mais próximos, desses à quem você confessa até seus crimes me sugeriu. Bruno porque você não lança uma campanha da internet. Conta tua história. Apresenta teu projeto.
Vai que se você consegue.

Foi esse estimulo que me conduziu até um site de “Crowdfunding” onde plantei meu projeto Shalom Israel... no mais ... bom é tudo de conhecimento público. Trouxe a campanha para minhas redes sociais. Entrei em contato com tudo quanto foi representação judaica no Brasil. Mandei e-mail para embaixada. Comunidades judaicas dentro e fora do Brasil. Mas alguma coisa faltou... seja como for. Tirei boas lições e fiz novos contatos, colegas e quem sabe até amigos.  Ganhei uma nova história que por si só já rende uma boa aventura.

Hoje 06  de Janeiro de 2016, conforme o previsto – está encerrado a campanha,mas o desejo continua. Com meu salvo conduto desembarco deste navio, porém jamais, desse destino.


Am Israel Chai 

K2 Park

Terça-feira, 29 de dezembro de 2015



No entorno por uma questão de sorte ou destino existem dezenas de praças, porém somente em uma delas é possível reunir a turma do K2 sem criar maiores problemas com a vizinhança. Fui apresentado ao lugar em 1994  por uma grupo  que me precedeu. Entre idas e vindas interrompidas por namoradas, empregos e viagens pude ver colegas alcançarem os extremos da luz e da escuridão.  Alguns morreram pelo caminho. Outros fizeram filhos. Tem aqueles que estão hoje exatamente onde pretendiam estar. Alguns aprisionados, outros de bem longe mandam lembranças em fotos coloridas com os tons mais bonitos da vida.

Vale ressaltar a importância das praças públicas como pontes para amizades, reconhecimentos e trocas de informações. È convivendo que se aprende a viver. O jovem que pode desfrutar de uma praça tem a possibilidade de se deparar com diferentes pontos de vista. Histórias e caminhos diferentes que a vida apresenta à cada um. Aprende a respeitar e conviver com as diferenças. Ainda que antes disso algumas brigas  venham a acontecer.

Mais vale um amigo na praça que um amigo no banco!

Acontece que nem tudo é para sempre. Manaus concentra uma população de mais de dois milhões de habitantes. A vida é curta e o mundo é muito grande. Quero registrar minhas memórias de hoje  como forma de carinho. Dedico à  todos aqueles anjos caídos que se reúnem na mesma roda com pobres diabos. Aos ricos e aos pobres. Aos cultos e iletrados. Também para os advogados e os flanelinhas que entre quatro linhas esquecem as diferenças e jogam uma pelada todos os dias. Eu to indo embora. Meu tempo de k2 acabou.

Lembro de tantas histórias. Momentos de alegria. A euforia das primeiras descobertas por aqueles   inquietos que encontram nas praças os únicos lugares livres de rótulos, regras ou hierarquia. O que não significa uma completa putaria! Os mais velhos que tiraram lições de convívio e da vida até deixam a corda esticar. Mas quando o jovem anarquiza  recebe uma rasteira. Do chão ele levanta e assim vai aprendendo. Foi assim comigo também.

Foi nos  últimos anos que passei a frequentar mais assiduamente a praça batizada como k2 pela minha geração. Sem namorada, desempregado e desanimado por dias longos e calorentos só consegui relaxar  por ali nos  finais de tarde.  Algumas conversas valiosas fazem valer o tédio de dez conversas vazias. Isso porque muitas vezes tudo o que você quer é ficar calado. Sentar por ali e fumar uns baseados antes de voltar para o “mundo”.

Nesse ano (2015) o lugar passou a ser frequentado por dezenas de jovens oriundos de outros bairros. As diferenças surgem logo de cara. Aquelas que por hora não podem ser conciliadas se resolvem com a distância. A praça é grande, entre um canto e outro pode haver até 50 metros separando os divergentes.

Esse lance de bancar o mais velho, sendo ainda tão novo é bem complexo, todavia,  nunca fujo da raia e sempre trago uma palavra amiga. Conto umas histórias. Digo que uma  vida louca e rebelde sempre cobra um preço. Pode ser a confiança, a saúde do corpo  da mente. Sempre algo ou alguém virá cobrar as conseqüências  de suas escolhas. Àqueles que desejam ouvir, conto sobre tudo o que sei e aprendi sem nenhuma arrogância.

Há mais de 15 anos que a praça não recebe uma reforma. O lugar está completamente roto. As grades quebradas. Os balanços, escorregador e gangorra completamente abandonados. Posso dizer que hoje no k2 existem mais pessoas que desconheço do que aqueles que suponho conhecer. Muita gente que só busca refúgio e não traz sequer uma palavra para trocar. Olho para eles e penso que serão o “futuro” do k2. Acho que não porque a vida sempre cobra um preço e as novas gerações parecem não se importar com nada. A eles desejo que possam permanecer vivo e alcançar os 30 anos e assim por diante.

Só a mudança é para sempre. Ninguém mais acreditava que uma reforma poderia acontecer. Um dia chegamos ao local e  percebemos um contêiner posicionado bem ao lado da quadra de esporte. Ficamos especulando sobre o “Por quê?” daquele trambolho. Dias depois um imenso painel fora instalado nas grades do local. Com brasão da Prefeitura Municipal de Manaus o anúncio da reforma no valor de R$  116 mil.  Foi nesse mesmo dia que apareci com minha câmera e pedi que alguns deles pousassem para a foto. Queria registrar naquele instante a mudança. Nada é, tudo estar. Nada de saudades, apenas boas recordações!


- Feliz 2016 k2!!! 

Torre de Papel

Sábado, 26 de dezembro de 2015



Entrar no meio de uma discussão entre a direita e esquerda pode parecer desgastante, chato e enfadonho. Mas isso é um passeio no parque de diversões para quem já teve por uma, duas, três vezes uma arma de fogo apontada diretamente na cabeça ou no peito. 

Discutir filosofias e ideologias com burgueses é motivo de agitação interna, uma euforia gostosa que deixa um gosto de quero mais. Como um jogador experiente de Xadrez que precisa de encontrar adversários cada vez melhores e mais desafiantes. Isso é bom. Desses campos não me furtarei jamais. Embora, assim como um bom enxadrista eu tenha que saber usar todos os artifícios que o tabuleiro possibilita. 

Difícil e arriscado foi é estar no meio, bem no meio de um briga de facas no Paraguai com um jovem perturbado e um outro debochado. Ambos armados de faca, querendo se matar. Entrar no meio de uma briga dessas... isso sim é complicado. E até isso eu já fiz. Não para parecer um herói, mas porque era preciso. Agir com frieza, olhar nos olhos da besta-fera enlouquecida e muito calmamente, segurar o "mais louco" pelo pulso e conter a ira e a revolta de quem se crer humilhado e desterrado. 

Discutir os rumos da vida por meio de letras frias é muito fácil...
Porém é necessário, muito necessário. Acontece que muitos por aqui se furtam. Vivem e esperam da democracia apenas os benefícios ...mas se furtam de cultivá-la e sustenta-la com artifícios. Se desgastam...parecem temer algo ou alguém que nunca encontram na vida. Morrem sem saber à quem temiam nessa vida tão passageira. 

Há tempos denunciei aqui aquela certa moral presente nos lares de classe média - média alta, onde por sorte ou destino fui criado. Sabe aqueles panos quentes ... não fala nada para não criar mais prolemas. finge que tá tudo bem. Não diz nada para não se dispor com o fulano, a cicrana rsrsr. Acho é graça. 

Aquela moral chegou por aqui no Facebook ...porque muitos vieram para cá. Leia-se facebook (redes sociais). Não se trata de alimentar um seara sem lei onde as ofensas e calúnias são ordinárias.. mas sim de estar aberto ao contraditório. Parece-me que isso ficou para trás ... muitos potenciais oradores se calaram. 
Calaram-se como nos tempos da sala de janta, como nos tempos das festas nas casas dos tios - e amigos. Não diga nada para não de dispor com ninguém. -Fique calado!

Enquanto isso o Brasil foi sendo soterrado, envenenado, vilipendiado. Sociedade para quê? Sociedade só a minha, aquelas que estão do lado de dentro dos muros e condomínios. Aquele de fora... bom nem ligo a TV para não ver. Esses muros do Apartheid não vão resolver os problemas. Eles apenas camuflam para as crianças que ali crescem a realidade do mundo que os cercam. A realidade que seus pais aprenderam a ignorar. 

E assim, deste modo...os problemas se perpetuam. A soluções atacam os efeitos conforme as possibilidades de cada um. Porém elas são insípidas em relação às causas. Vejo muitas torres de babel por todo o Brasil. 

Noite de Natal

quinta-fera, 24 de dezembro de 2015

Caminhava pelas Ruas de Ramallah na Cisjordânia  na manhã do dia  24 de Dezembro. A única referência do Natal  naquela cidade era uma imensa árvore de natal localizada numa  zona comercial.  Encontrar turistas era algo muito raro, porém naquele dia por sorte ou destino encontrei uma jovem Italiana  num restaurante. Nossos traços ocidentais  serviram como cartão de visita em meio àquelas pessoas de origem e cultura islâmica.Um convite para se achegar e puxar uma conversa. 

Foi na  sacada do restaurante que conversei com ela sobre meu projeto e escutei  sobre os dela. O meu, muitos sabem, era captar imagens e depoimentos para um documentário. Enquanto o dela, mais direto, consistia em dar aula para escolas primárias. Era sua especialidade lidar com crianças, porém estar ali era um desafio totalmente novo e surpreendente conforme me fora relatado.  Lembro que comi peixe. O prato estava lindo. Explicava para ela que na Amazônia existe uma infinidade de peixes e sabores ímpares.

Todos os dias para um ocidental é extraordinário. Tudo ao contrário. Nem tudo em inglês. Nada de alfabeto romano. Porém aquele dia foi ainda mais, acredite. Depois de comer e me despedir da italiana,  caminhei pelas ruas do centro. Fiquei impressionado com a pujança do comércio local. Descobri que a cidade fora fundada pelos primeiros cristãos que ali se estabeleceram há milênios.

 Cruzava uma das praças quando um jovem passou por mim e disse “Basilê-lo”. Achei estranho, pois sei que em todos os grandes centros do mundo ninguém te aborda só porque você é bonito(a). O rapaz ofereceu-me óculos escuros. Sorri, disse “Shucran” e segui por uma rua movimentada.

Mais na frente o jovem me parou e disse com um sotaque bem forte. “Eu sou gaúcho. Meu pai vive lá. Eu nasci no Sul”. Bom havia ali uma certa familiaridade. Falar português com um árabe nascido do Rio Grande Sul foi bem legal. De algum modo, no meio daquelas ruas lotadas percebeu. "esse é basilê-lo".  Enquanto caminhava, o rapaz me seguia. Contou a sua história e revelou que desejava muito voltar ao Brasil para estudar. Dizia ser “Basilê-lo de coração”. Suas lembranças eram repletas de sentimentos e saudade. Havia certa ternura naquelas lembranças. 

Caminhei por horas e horas antes de encontrar a brasileira de origem palestina para junto seguirmos uma viagem até Bethlehem. Ainda havia algumas incertezas quanto a ir ou não ir. 

Ainda naquele dia, horas antes fui sozinho para Jerusalém depois do almoço. Procurava por igrejas cristãs, como jornalista e viajante do tempo e espaço,  não poderia ignorar o fato de estar no dia 24 de Dezembro em Jerusalém 2014.

No  caminho desde Ramallah até a estação  próxima ao  Portão de Damasco pude ver algumas decorações. Casas  nitidamente celebrando o natal por detrás daquelas  pedras brancas. Eu não era o Lawrence da Arábias mas me sentia assim, imerso naquela cultura tão diferente do ocidente. Ao desembarcar em Jerusalém oriental decidi caminhar até o portão de Jaffa e dali seguir caminhando por mais algumas horas. Até encontrei. Alguns lugares que  me pareceram  tão suntuosos que jamais pensei estar ali - me encontrar por entre pedras ainda mais antigas e pisadas do que aquelas  da capital do antigo Império Inca. inalcançáveis, porém,  por algum motivo ou mistério... - eu estive lá!

As estações de radio especulavam, eram rumores de neve. Descobri isso e mais apenas com um cigarro. Um homem num ponto de taxi pediu isqueiro. naquele instante, com aquele papo de "Tá frio né?" O taxistas logo falow "Snow - Snow" apontando para o radio. Assim entendi. Rumores de Neve. 

O   frio apertava e minha mente circulava por entre meus familiares e amigos. Pensava na distância, queria compartilhar aquele momento com alguém. Mas eu estava como de costume sozinho da silva. 

Por entre algumas ruas eu senti uma tensão no ar. Pessoas caminhavam cada vez mais rápido. Algumas coisas não se explicam você apenas sente e reage. Decidi que  após uma longa volta aquele passeio por Jerusalém poderia terminar.

Antes, porém, resolvi  sentar em um banco no alto de uma ladeira de onde era possível ver ás ruínas do antigo templo de Salomão. Ficar por horas exposto a um temperatura próxima de zero cansa os mais fracos. E incomoda até mesmo os mais fortes. 

 Algumas famílias de turistas circulavam de mãos dadas e sorridentes!   

A despeito daquele clima familiar alguma coisa no ar que me deixava inquieto. Mesmo contudo, procurei ficar quieto ali.  Tirei um cigarro da minha mochila e comecei a fumar um, dois, três cigarros. Todos bem devagar. De repente um homem apareceu no topo da ladeira. Fitava  as paredes, o céu e os cachorros.  Olhava para todos os lados. Parecia ser um turista. Foi se aproximando e muito calmamente perguntou. “Hi -  do you speak english?” respondi que sim e começamos a conversar. Seu nome era Avraham, um Holandês de origem judaica. Parecia ter uns 50 anos. Me disse que estava procurando por uma igreja. Também queria ver uma celebração em Jerusalém.

Muito engraçado como aquele homem também estava com a mesma sensação que eu naquele momento. Ele dizia que estava se sentindo estranho. Que havia viajado por todo mundo. Aquela era sua segunda vez em Israel – dessa vez, voltou sozinho após se divorciar da mulher.

O homem me relatava que não se sentia seguro. Embora as ruas fossem todas muito bem patrulhadas pelas forças de segurança. 

Conversa vai, conversa vem. A Amazônia entrou em pauta e para minha surpresa o homem disse que conheceu  um “curandeiro” em Amsterdã que vendia um chá alucinógeno cujo nome é Ayahuasca. Achei tudo aquilo muito mágico e por alguns minutos até me distrai com o contexto. Mas os cigarros acabaram e ainda naquela noite eu deveria voltar para Ramallah. 

 Avraham,  o holandês ,  seguiu apressado para o hotel  refazendo  o caminho de volta atentamente. 

Novamente em Ramallah. O véu da noite era mais pesado e escuro daquele lado do muro. 
 Quando finalmente cheguei encontrei meu contato brasileiro. Muito animado queria ir atéBethlehem. Era tarde, quase dez da noite. Mesmo assim, após insistir deixamos a casa no meio das colinas e fomos atrás de transporte. Fui informado que havia dezenas de vans fazendo a rota Ramallah – Bethlehem. Mas  não havia taxi nas ruas. Estava muito frio e não tinha carros disponíveis na rua. Foi uma carona que nos salvou.

Tudo a meia luz. Entrei naquele carro e tudo era sombra. Mas logo que o motorista soube que éramos brasileiros começou a sorrir e ser mais simpático.  Com um inglês carregado ele tentou nos fazer rir contando algumas piadas religiosas. Nada de mau gosto, apenas umas piadas  bobas. Chegamos no centro de Ramallah e procuramos por uma van. O próprio motorista se encarregou de arrumar uma van. Entramos e imediatamente seguimos para Bethlehem.

O caminho até a cidade onde  segundo a tradição nasceu  Jesus  é tortuoso e repleto de curvas acentuadas. A cidade está localizada a mais de 700 metros acima do nível do mar. A força daquela van me impressionava em cada curva.  Fui orientado a tirar um cochilo. Mas era impossível.  O cansaço não era maior que a vontade de olhar pela janela. Quando  chegamos na cidade de  Bethlehem me dei conta que era uma cidade  árabe. Algumas luzes e enfeites para turistas ver, nada mais. Tentamos nos aproximar da Igreja da Natividade. Senti  no ar aquele clima dos grandes eventos. 

Nosso trajeto só foi interrompido quando uma comitiva de carros pretos passou com as sirenes ligadas. Eu estava em uma lanchonete comendo um falafel e notei uns rapazes apontando e dizendo ;  “Abu Mazen – Abu Mazen”. Copiei a mensagem. Claro que era a comitiva de Mahmoud Abbas.

Com a barriga cheia subi mais algumas ladeiras até chegar à praça reservada aos turistas e jornalistas. Alguns turistas estrangeiros. Poucos. Acho que a maioria estava dentro da igreja onde eu não tinha autorização para entrar. Mas com uma lente  de 300mm conseguia observar cenas e momentos distantes. A população de Bethlehem é composta tipicamente por homens árabes, baixos e franzinos. Todos com os cabelos pretos  cortados bem curto. Nenhum ao meu redor, fora os estrangeiros, parecia se importar com o que o padre dizia do lado de dentro da igreja. A multidão acompanhava tudo através de um telão instalado especialmente com essa finalidade. 

Ficamos por ali um tempo. Encontrei o correspondente da Rede Globo em Jerusalém quando ele se preparava para uma chamada aovivo. Troquei uma ideia com ele. Em seguida o  desejei bom trabalho e prossegui. Continuei a circular  pelo local observando tudo e todos. E claro, sendo observado também. 

Naquele lugar só havia euforia nada de celebração religiosa. Muitos doces, chás e cigarros. 

De repente tudo terminou e as pessoas começaram a sair apressadas. As sirenes ligaram novamente. Aquele estrondo de motores acelerando. Guardas,  apitos. 

– Lá vem a comitiva! Uma atrás da outra. Autoridades que estavam na Igreja da Natividade começavam a passar apressadas. Depois que todos passaram - continuamos à procurar um hotel vago. Falamos com taxistas e nenhum sabia onde poderia haver um hotel com quarto vago.  

Estavam todos lotados. Ficamos por ali sem saber. Alguns taxistas jovens vinham e voltavam. Sussurravam algumas palavras árabes entre si e seguiam especulando  bem próximo, de modo que dava para compreender, muita coisa, entende? ... 

Um deles ofereceu a própria  casa por uma quantia de $ 150 Shekels. Mas não aceitamos, agradecemos e ainda sem saber o que fazer ficamos por ali. Até que meu contato árabe lembrou de um amigo  que vivia em uma cidade próxima. Acontece que para chegar até essa cidade teríamos que passar por uma estrada controlada pelas Forças de Segurança de Israel. Sem escolhas informamos a um taxistas das condições. O rapaz deu um pulo e mudou a expressão rapidamente para um semblante carregado e preocupado. Demorei um pouco até entender direito o que aconteceu.

Minutos depois, ainda por ali quase a ponto de me atirar nas calçadas para dormir ao léu – bem como Jesus dormiu um dia. de súbito um  taxistas entre aqueles que  não saiam do telefone nos disse que topava fazer a viagem por $ 200 Shekels. O valor parecia um absurdo. O rapaz disse que iria pegar um amigo e então seguir conosco. Seu amigo falava um pouco de inglês e nos explicou que para eles era muito perigoso transitar por ruas controladas por Israel tarde da noite. Mesmo assim aceitou e foi. No caminho nenhum incidente. A estrada estava totalmente vazia. E vale  ressaltar que estavam em perfeito estado de conservação. 

A viagem começou assim que o taxista pegou seu amigo na beira de uma estrada. (Eu saquei tudo) [mas essas e outras só num livro]. Foi a primeira vez que eu vi árabes ligando o som do carro e cantando uma música alegremente. Eles se vestiam como ocidentais. Usavam roupas de marcas, tinham gel no cabelo e pareciam mais liberais à julgar pela aparência. Liberais ao ponto de taxar a corrida que custa em média $ 50  Shekels por $ 200. Dirigimos por volta de uma hora e paramos em um lugar. Dali ligamos para o contato na cidade próxima. Foram longos 10 minutos até que tivéssemos alguma resposta. Um homem atendeu ao telefone e foi rapidamente ao nosso encontro dirigindo uma Mercedes Benz novinha.

Dali em diante eu fui vencido pelo cansaço. Não conseguia olhar pela janela. Estava inebriado, grogue de sono. Chegamos à casa do homem e para minha surpresa havia crianças brincando na sala, um lugar muito aprazível e aconchegante. Lá havia um homem de Manaus – descendente de árabe que estava de passagem e fazia uma visita ao nosso contato bem na hora que ligamos. Foram mais uma hora de conversa. Tentei explicar que estava cansado e com muito sono. Mas eles só conseguiam me oferecer mais e mais chás, doces, e cigarros. Eles me foram  deveras receptivos e generosos. 

São todos muito atenciosos. Quase uma hora depois, por volta das três horas da madrugada fui  direcionado à um quarto. Lá  finalmente me deitei na cama quente e confortável. Com o sinal de wi-fi consegui mandar umas mensagens para o Brasil. Família, amigos e quem mais estava comigo em pensamentos. Na minha mente muitas histórias. Um dia muito longo que seguirá comigo por toda vida. No outro dia quando o sol nasceu  fui levado até o um ponto da cidade onde era possível ver meus olhos cheio de vida o Mar Morto. 

[Nota] **  Esses relatos são ainda contidos na tua totalidade por conta de um cisma surgido entre mim e a produtora executiva do projeto que é de origem árabe. Em breve poderei escrever tudo. Este é um relato superficial das minhas experiências!  

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Nudez da Meia Noite

sexta-feira, 5 de agosto de 2016



Por vezes fujo da tela em branco  porque fico nu de copo e alma. É preciso muita coragem para escrever com o coração - mais fácil é divagar sobre o mundo que me cerca. Essas paredes, cidades, ruas e carros que não são meus. Descrever a beleza das mulheres que passam desviando olhares. Os produtos na vitrine. As flores da primavera.  Porém, sobre as nebulosas  do meu interior. As cores , os tons, as temperaturas que habitam o meu corpo em um único dia. Essas explosões que formam e destroem estrelas, só mesmo  para quem tem coragem. 

Passaram 32 anos até aqui. Sei que o sol da minha vida anda morno, assim como minhas entranhas. Alguém  me disse que o início dos 30 anos tem uma mística muito forte. Todavia, isso deve ser para aqueles que caminham sozinho, que enfrentam a clareza de uma solidão iluminada pela tela em branco  emitindo sem cessar -  uma luz cândida e fugaz que pode se apagar somente com o medo, a fuga de si. Basta um instante de dúvida, aflição.Baixa-se a tela, apaga-se a luz e pronto. Por mais uma noite, escapei de mim. 

Acontece que o dia e a noite são filhos do mesma força. Tem dias que são longos e me ajudam a escapar das noites diante de uma tela em branco. Decido que não. Hoje não. Passo ao lado, desvio. Abro um site de videos. Escuto músicas e deixo-me levar por memórias que projetam vidas e momentos que nem sei quando ou onde vivi. O que será?  Será que é poesia, literatura ou loucura...
Supero cada   dia certo de que uma hora, em algum lugar a foice da morte irá riscar meu corpo deste planeta. Terei que partir - tal qual um indigente ou um rei. O último suspiro é igual para o rico e o pobre. O belo e o feio, dar-se conta da morte para alguns é o ápice da vida. 

Tem dias que grudam em mim como cola de sapateiro - passo arrastando tudo e todos para dentro de um capsula atômica que alimenta e se inflama nessas noites que se explodem dentro de mim. Voltava da loteria, esse lugar onde pobres mortais vão pagar as contas e apostar na sorte. Dessa vez fui como convidado. Na volta passei diante de uma escola. Devia ser uma creche. Um monte de criancinhas lindas, cheirosas e manhosas. Vi um pai - devia ser alguns anos mais velho que eu. Carregava uma menina chorando no colo e puxava um outro mais velho com a outra mão. Era de uma delicadeza cortante. Disse para meu amigo; Porra -  é isso disso que preciso. Umas criaturinhas dessas para cuidar e educar. Não tive isso com minha filha que em breve irá completar 10 anos. Nem sei o que será de mim.Mas sei o que sou e como estou longe dela.  

As vezes, como nessas noites, penso que não terei amigos para escutar todas essas aventuras que vivi para sempre. Por aqui, escrevo para leitores ocultos. Gente que não me olha nos olhos ou mesmo senta em um banco ao meu lado. Isso eu tive nas praças por ai quando encontrava meus amigos e camaradas da vizinhança onde cresci e me formei. Eles sumiram, todos sumiram. Até a praça foi desmontada. Chegou outra turma. Surgiu outra vibe. Hoje estou longe, mais uma vez longe. Só mesmo amor poderia me governar. Morrerei tentando. Quero pagar todas as minhas contas. Ser maior que todos os meus pecados e finalmente - me deixar ser roído pelos vermes da transmutação eterna. 

Sabe, é o mistério que me acalma, não as revelações, porque essas  aparecem em qualquer lugar, sem hora ou aviso prévio, basta estar atento. Tem mistérios que não compreendo - mas sinto que são bons, um sinal de algo que não compreendo todavia. Levo fama de ser um cara duro e ríspido. Muitas atitudes minhas colaboram com essa visão que algumas pessoas tem de mim. Agora, porque tudo quanto é criancinha, ao me ver fixa os olhos em mim como se conhecessem as profundezas da minha alma. Sorriem para mim como se encontrassem um velho amigo. Já estive em lugares tão distintos. Casas, castelos, vilas no meio da floresta. Apartamentos luxuosos. Sentado em tapetes persas  ou quintais de barro onde crianças se apaixonam por mim no primeiro olhar. Confesso aqui para você meu caro leitor oculto que por vezes já me desviei de certos lugares onde habitam criancinhas filhas de estranhos , só para não me sentir desnudo. 

Agora mesmo lembro de uma especial. Deixo aqui o registro para que aqueles que testemunharam um dia possam confirmar tudo isso. Eu estava num set de filmagem dentro de bairro humilde no centro de Manaus. Um lugar de muitas palafitas e casas de suspensas em cima dos igarapés que cortam o centro da cidade. Estava acompanhado de gente muito mais simpática que eu. Um careca gente fina. Um viking barbudo e uma produtora que em tese parecia ser muito mais familiarizada com crianças. Era a casa de uma mãe de santo. Uma dessas negras velhas cheia de força e magia. A garotinha era branca e tinha um par de sobrancelhas bem marcantes. Tão inocente brincava só de calcinha naquela casa simples onde o calor de equatorial fazia qualquer um ter vontade de tirar as roupas. Entrou todo mundo na casa da mulher. A criancinha estava distraída brincando com uma bonequinha. Nem deu bola para todos aqueles que me antecederam - invadindo seu espaço com os   materiais e equipamentos que compõem um set de filmagem. 

Bastou eu entrar na sala para ela largar a saia da vó e correr para minhas pernas. Era pequenina, em pé não passava dos meus joelhos. Era manhã de sábado, estava de óculos escuros e numa ressaca braba. Aquela cara de poucos amigos estampada na face. Mas a garotinha só queria saber de mim.  Seguia-me por todo os lados. Olhava direto nos meus olhos como se conhecesse meu passado mais longinquou. Fiquei desconcertado com toda aquela ternura. A nega velha exclamou. Caramba, ela gostou de você. Eu sem jeito,dei com os ombros. Tentei fazer um carinho nela, umas gracinhas achando que ia parar. Gravamos o que precisávamos e a garotinha não saio do meu lado um segundo. Ela não tinha dois anos completos. Jamais me esquecerei dela. E porque to revelando isso? 
Não interessa. Estou fluindo nesta noite. Preso à minhas próprias circunstâncias numa espiral  que só irá me libertar ao final deste texto que não tem rumo nem hora para terminar. 

Bom, ser místico é ter coragem de atravessar uma noite escura. Enfrentar uma tempestade numa canoa no meio do Rio Amazonas, certo que não será as ondas nem os ventos que irão lhe ceifar a vida,mas sim uma força maior que pode soprar na brisa de um alvorecer. Assim eu já atravessei o vale da sombra da morte. Andei nas margens do mar morto. Sentei-me com meus detratores e sorri para eles fingindo não saber o que estava escrito na testa de cada um.  O que se revelava em cada sorriso falso. 

Sempre que supero os parágrafos consigo dissipar a bruma da solidão, acalmar meu coração e me sentir em harmonia com o caos que governa meu interior. Viver é um ato de coragem que não deve ser desperdiçado com egoísmo. Até mesmo a solidão deve ser compartilhada - por isso escrevo. Assim me atrevo. Me lanço ao julgo alheio certo de que meu trabalho nessa terra há de encerrar como as linhas deste verso. Um dia sem avisar eu vou. E daqui não levarei nada se não aquilo que compartilhei. Escrevo, escrevo... Essa é minha espada, minhas armas e ferramentas. Tenho outras habilidades e conhecimentos. Porém escrever é a atividade mais insana e solitária que existe. Basta-me uma noite longa e uma tela em branco. 

Hoje precisamente é sexta-feira. Tem um mundo lá fora cheio de vida. Os jogos olímpicos do Rio. Na minha casa não tenho televisão. Jamais pensei nesse dia. Não pude ver a abertura dos jogos olímpicos. Tudo bem! Sei que verei em algum momento. O mais importante do dia foram as conversas que tive. O churrasco, cortesia de alguém que veio de muito longe, tocada pelo amor. Escrever é como descascar minha alma pesada. Trocar de capa. Quando escrevo troco de coro feito cobra. Ao final de um momento dolorido como esses que se estendem por noites embaladas por clássicos do Rock´in´roll saio por aqui nestas linhas derradeiras mais leve. Mais confiante. Sei que quando voltar por aqui novamente virei com uma bela ficção. Um ensaio, um romance em forma de conto ou poema. 

É preciso ter coragem para chegar até esse parágrafo sozinho e pelado. Eu, as paredes, a sala vazia, o quarto vazio. As estrelas do firmamento e você, caro leitor oculto que chegou até aqui. É foda, só que é necessário. Se me interessa o que você vai pensar sobre o que escrevo? Sinceramente... isso é problema seu. Passei, to aqui mais leve. Alguns confessam seus pecados e fraquezas para padres ou psicanalistas. Eu os confesso para o mundo, com endereço fixo e nota e promissória Vou dormir para esta vida e acordar para o mundo dos sonhos. Já passa da meia noite. Sozinho - posso transcender esse momento, dormindo para esta vida que mais parece um sonho embasado de acontecimentos que se embolam nos meus caminhos. Dormindo descuro outras camadas e me cubro com a capa dos anos que me abraça o corpo e me envelhece faz tempo. 

Buttes-Chaumont - La surprise

domingo, 28 de agosto de 2016


A primeira impressão da França em nada se parecia com as aulas de História na Universidade de Allepo. Paris é  um lugar conhecido, porém, nada familiar. As roupas sujas e molhadas. A barriga vazia,  o corpo frágil e uma solidão sem tamanho cercavam os sentidos e a  alma despedaçada do jovem Tarik Latiff, 24 anos.

Um românico incurável que cresceu em uma família grande e muito afável. Seu pai um autêntico comerciante de tapetes que exportava para muitos países. Sua mãe amorosa  vivia para os filhos. Tarik adorava passear pela milenar cidade de Allepo onde nutria amizades com gente de todas as classes e idades. Aprendeu com o seu pai Ibrahim  Latiff que tudo o que poderia conseguir de mais valor das pessoas era o respeito; `` Primeiro você oferece o respeito, depois você o cultiva, e somente então,  você o conquista``. Essas palavras que durante muito tempo iluminavam as ações do jovem Tarik, hoje parecem vazias de sentido.

Quando a guerra começou a cercar Allepo, Ibrahim Latiff acreditou que poderia proteger sua família. Recusava-se a acreditar no que muitos já tinham certeza. A guerra destruiria tudo. Até mesmo a alma das pessoas. Em apenas quatro dias organizou a retirada. Iriam para Turquia e de lá para  Grécia. Vendeu o que pode. Recolheu as economias e abandou tudo.

A família Latiff foi só mais uma dentre milhares que se acabaram no caminho até a Europa. Separações. Mortes e torturas. Decisões que um pai jamais pensou em tomar. Noites escuras, assaltantes, mercenários. Estupradores. Propostas indecorosas.

Na França – restou apenas Tarik.  Um corpo humano recheado de terror. Os olhos de mortes um coração que esguichava sangue pelos olhos castanhos do moribundo refugiado Sírio. Embora dominasse a língua de Gustav Flaubert, o rapaz não conseguia pronunciar uma palavra. Talvez por fome ou medo. Talvez os dois juntos.

Como um rato Tarik sobreviveu na cidade luz por meses até que os caminhos da vida lhe conduzissem  até o Parc des Buttes Chaoumont. Nada em Paris lhe pareceu mais familiar. Nem o Museu do Louvre, nem o Rio Senna, nem o Champs Elysées. A Torre Eiffel não passava de um símbolo de guerra para Tarik.

Um dia atravessou uma rua com a cabeça baixa. Sem perceber  entrou no Parc des Buttes Chaumont. Era final de tarde quando chegou ao lago que jazz no centro do parque. De onde estava fitou uma pequena ponte e pensou: A ponte do suicídio! Olhou em volta e percebeu que estava cercado por imensas colinas. Dali não podia mais ver Paris com todo  seu esplendor aterrorizante. Cada bulevar, as árvores, as varandas, os prédios da belle époque. Tudo aquilo era terrivelmente oposto ao que tinha restado em Allepo.

O sol começava a cair   detrás  das colinas  quando Tarik iniciou  a subida  até a ponte do suicídio.  Cada passo  exigia uma força hercúlea. Alcançar aquela ponte era naqueles instantes, como alcançar a liberdade. O caminho estreito e sinuoso provocou delírios no pobre rapaz que imaginava que lá no alto sua família o esperava para um banquete. Podia ouvir o barulho das conversas e o tintilar dos talheres na mesa.

Após virar uma curva – aqueles barulhos subitamente  transformaram-se em sussurros.  O que fez Tarik cair na real e despertar dos seus delírios. Uma jovem de cabelos robustos e dourados chorava copiosamente agachada no chão que estava encharcado por uma torrente de lágrimas.

No primeiro instante – Tarik não sabia o que fazer. Pensou em dar meia volta, contudo   manteve-se  no caminho. Ao se aproximar a jovem ergueu a cabeça. Revelou-se a luz no meio da escuridão.   Um par de olhos  azuis  celeste. O rosto ruborizado e angelical somados  aos cabelos de Lilouche – desmontaram os planos do suicida.  

Com a boca aberta, ela tentou falar, mas soluçava tanto que mal conseguia pronunciar as palavras. Com muito dificuldade disse: s'il vous plaît aidez-moi e estendeu as mãos na direção de Tarik que  correspondeu timidamente estendo o esquerdo.  Sentou-se ao lado da jovem e ficou ali por alguns minutos. Sem dizer uma palavra. Ela apertava sua mão com força.

Após alguns minutos, disse: Eu tentei me matar. Senti o gosto da morte. Quase me atirei da ponte.  Foi horrível! Aquelas palavras causaram espanto em Tarík – que sentiu pelos olhos amedrontados de Lilouche o terror suicida. Foi então que pronunciou as primeira palavras em Francês: Comment puis-je vous aider?

Foi então que Lilouche pediu para que Tarik a acompanhasse até sua casa no Belleville. Como num passe mágica Tarik esqueceu-se por alguns minutos dos seus problemas e só conseguia pensar e observar aquela jovem que falava sem para enquanto revelava  uma história tão comum quanto um café com croissant. A jovem francesa acreditava  estar grávida de um americano que sumiu sem deixar rastro. O que para ela representava o fim do mundo.

Logo aquela conversa entediou o jovem refugiado que começou a achar aquilo tudo muito banal para custar uma vida. Quando chegaram na porta do prédio de Lilouche, ela finalmente perguntou: Tu t'appelle comment?. O rapaz engoliu seco, e antes de responder -  distraiu-se por alguns segundos com os olhos azuis e todo aquele viço presente no rosto daquela jovem parisiense: Je m'appelle Tarik.

O nome árabe despertou Lilouche que finalmente o observou. Olhou para as roupas, a aparência frágil e os olhos de terror do rapaz. Demonstrando interesse, perguntou. Onde o Tarik morava. Ele explicou em poucas palavras que era um refugiado de guerra. Não tinha ninguém, nem família. Nem casa.

Dessa vez foi Lilouche que engoliu seco e se distraiu com os olhos castanhos de Tarik. Botou a mão no rosto e pensou em voz alta; - Então você não tem aonde ir. Deve estar com fome. Aguarde aqui, vou trazer algumas roupas e um pouco de comida!

Foi  início de uma grande amizade...

Dans le pont de suicide - La vie


domingo, 11 de setembro de 2016


Quando Lilouche retornou, trouxe uma mochila repleta de pacotes contendo  doces e salgados. Também tinha na mochila dois pares de meia, duas camisas e  uma pequena toalha de rosto enrolada numa escova de dente, mais  um sabonete com cheiro de lavanda.  Nos braços uma jaqueta junto com um  cachecol. Ainda com o olhar que pendia ora para o chão ora para o nada, Tarik pegou tudo e agradeceu com um curto ```Merci``.

Voltou pelo mesmo caminho que viera minutos antes e seguiu direto para o Parc des Buttes Chaumont. Naquela noite ele tinha para onde ir. Um pouco de comida.  Roupas novas e cheirosas. Além  de algum fio de esperança no futuro. Entrou no parque feito uma sombra atravessando pelo meio da vegetação. Enfiou-se dentro de um  arbusto e mais uma vez deixou escapar um choro incontido, repleto de memórias que ninguém poderá apagar.

Adormeceu enrolado no cachecol que ganhou de Lilouche. Foi o primeiro ato espontâneo de humanidade que Tarik Latiff sentiu em meses.  Acordou esfregando o rosto naquela lã macia que envolvia seu pescoço. Abriu a mochila e conferiu o que tinha para comer. Em uma embalagem estava estampado uma imagem com crianças sorrindo. Tarik lembrou da última vez que viu os irmãos na Croácia. Ele não podia controlar essas memórias, nem mesmo a tristeza. Era um buraco muito grande  na sua existência. Contudo, abriu o pacote e começou a comer. Lambia os dedos depois de cada doce.

O sol da manhã alcançava o seu ponto mais alto naquele dia enquanto  Tarik não tinha sequer saído de dentro daquele arbusto. Parecia estar curtindo o lugar como um quarto de hotel.  Porém, bem no fundo, aquele rapaz solitário tinha esperança de reencontrar Lilouche. Esperou o sol pender a 60 graus no horizonte para finalmente sair da toca feito um animal.

A primeira vista que teve ao sair do arbusto foi um pequeno  grupo de jovens em idade escolar que fumavam maconha. Todos se assustaram com Tarik, e sem alarde, lançaram  o baseado no chão e se dispersaram. O rapaz sequer sabia reconhecer o cheiro ou mesmo o aspecto da cannabis. Embora  o ato de fumar continue muito comum na Síria. Por desprezo aos costumes que trazia do passado, Tarik pegou aquele cigarro e fumou tudo, até a última ponta.

Quando começou a sentir o barato da erva  - sorriu. Mas sorriu tanto que gargalhava. Um mix de vertigem somado a amplificação dos diversos sons do parque o fizeram embarcar na sua primeira onda. Talvez por sorte ou destino, a maré de tristeza começava a se recolher para o mar aberto e profundo. Filho de uma clássica família secular  de Allepo, o rapaz fora finalmente batizado no Ocidente com um baseado de maconha.

Sem dar-se conta começou a comer tudo o que havia na mochila. Seu olhar estava diferente. Não apenas pelas pupilas dilatadas. Era a leveza e serenidade presente naquele rosto depois de meses imersos numa completa escuridão. Quando a onda passou, três horas depois Tarik saiu a procurar por  água. Encontrava nas lixeiras do parque garrafas d´água contendo ainda alguma quantia. Nas  muitas lixeiras do Buttes Chaumont  existem   preciosidades para um refugiado.

Enquanto procurava distraído  por qualquer coisa que pudesse ser útil Tarik ouviu alguém lhe chamar. Virou-se e não viu nada. Era uma voz feminina com sotaque Francês. De repente outra vez seu nome, mas ele olhava em volta de nada via, até que Lilouche muito graciosa saiu detrás de uma árvore trazendo no rosto um sorriso amigável. Perguntou como e onde Tarik tinha passado a noite e disse que estava ali somente para vê-lo porque sabia que ele estaria ali. Tarik disfarçou, mas ficou intrigado e pensou; ``Por que ela sabia que estaria aqui?``

Ainda com gestos e palavras muito contidas aquele jovem formado em História pela Universidade de Allepo retribuiu com um sorriso pálido aos gracejos de Lilouche.

- Trouxe mais comida para você Tarik! Pensei muito na sua situação esta noite. Todos em Paris estão a par dessa terrível situação. Quero que saiba que nem todos concordam com o que o nosso governo está fazendo na Síria. Na verdade eu nem sei os reais motivos dessa guerra. Mas quero lhe pedir perdão por cada desmando da política francesa no seu país!

Pela primeira vez Lilouche despertou o Historiador que havia em Tarik. Primeiro conseguiu arrancar dele algumas palavras, depois uns sorrisos e agora tinha apertado o botão da história e aguçado ainda mais os sentidos daquele rapaz que ficou surpreso com as colocações da jovem parisiense. Pensou um pouco e respondeu;

- Eu sou historiador formado pela Universidade de Allepo. Não consigo compreender os reais motivos que levaram a destruição do meu país e da minha família. Existem muitas peças nesse tabuleiro. E sinceramente compreender não me fará mais leve ou tranquilo porque estudar a guerra é uma coisa.  Sentir o assobio de uma bomba aproximando-se da sua cabeça é totalmente diferente. Lilouche por favor, não se desculpe comigo.

Foi surpreendente a maneira firme e exata com que Tarik proferiu aquelas palavras. Antes muito reservado, agora um arqueólogo da própria história surgindo das cinzas da solidão e do esquecimento através do interesse e dos gestos de Lilouche. Ela prosseguiu  a conversa com uma reflexão sobre a vida e a morte.

- Por acreditar que estava grávida pensei em morrer. Subi no parapeito da ponte do suicídio e quase me atirei. Senti o sabor amargo da morte e fiquei com muito medo. De repente você surge na fila dos suicidas. O que fazia lá? Também queria se matar? Eu pensei estar grávida. Pensei que continha uma outra vida dentro de mim. Sozinha não sabia o que seria de mim. Porém  hoje descobri que não estou grávida e jamais, em hipótese alguma vou pensar em tirar minha própria vida.

Tarik não entendia  os motivos  daquela moça estar lhe confessando suas intimidades. Mesmo assim, sentiu que precisava dar uma resposta. Afinal Lilouche estava muito diferente do dia anterior. Os cabelos soltos, a pele levemente ruborizada e os olhos reluzentes como faróis foram descamando as armaduras do historiador que não se conectava com alguém há muito tempo.

- Lilouche você parece muito aliviada e contente por saber que não estar grávida. Na dúvida você só tinha uma certeza, a solidão. Eu também tenho dúvidas, mas são elas que me mantem vivo. Quando subi até aquela ponte foi para me atirar. Queria morrer. Mas você estava lá, chorando com os olhos arregalados de medo. Isso mudou tudo. Hoje tenho dúvidas quanto aos meus irmãos, minha mãe. Será que eles estão vivos? Eu não tenho o direito de tirar minha vida. Pois eles vivem em mim e eu devo lutar pela vida até o fim, assim estarei horando meu pai  e minha família.

Muito resignada Lilouche respondeu com um sorriso acolhedor. Abriu os braços para Tarik e perguntou – Você quer um abraço? Mesmo sem responder com palavras Tarik deixou escapar com um olhar que era tudo o que mais queria. Lilouche encaixou um abraço tão gosto que Tarik fechou os olhos e praticamente se desmaterializou naquela fluidez tão boa e necessária para aliviar seu sofrimento.

Após retornar da viagem astral que fez nos braços de Lilouche , Tarik estava muito mais vivo e confiante. A ponte do suicídio que poderia ter unido aquelas duas almas na morte – agiu como a ponte para renovação e esperança. Unindo em vida duas pessoas que precisavam um do outro.

A força das experiências do Tarik e a leveza da vida de Lilouche em Paris ao lado da família equilibravam as forças e energias daqueles que viriam a formar  um casal. Ela tinha 22 e ele 24 quando se conheceram em agosto de 2013. Um ano depois Tarik se recuperava das dores de um passado latente enquanto trabalhava numa vinícola nos arredores de Paris. Longe da cidade grande,  vivia no alojamento da empresa. Sempre que podia, duas ou três vezes na semana ia até o Belleville encontrar Lilouche.

Em algumas noites Tarik não conseguia conter a tristeza por não saber da sua família. Por vezes passava as madrugadas inteira na internet procurando por abrigos e locais que recebem refugiados. Mas jamais encontrou um rastro sequer da sua família. Não tinha nem para quem ligar. Pela internet visualizava o que restou da belíssima Allepo, agora irreconhecível. Sem referências.

Um dia  Lilouche tomou coragem e resolveu convidar Tarik para ir até a ponte novamente dois anos depois daquele primeiro encontro. Tarik sentiu vertigem e por alguns instantes estranhou aquela atitude. Mesmo assim aceitou, pois sua confiança em Lilouche era plena. Ao entrarem no  Parc des Buttes Chaumont passou um raído flach back na mente de Tarik que lembrou dos meses que passou dormindo escondido naquele lugar. A diferença é que dessa vez entrou de mãos dadas com sua namorada. Estava vestido com roupas limpas e bem alimentado.

Caminharam até o centro do parque e chegaram às margens do lado. De lá era possível avistar a ponte do suicídio bem no anto de uma colina. Uma sensação de alivio e superação tomou conta de ambos. Lilouche  sorria, fazia brincadeiras, cutucava Tarik na tentativa de arrancar sorrisos do rapaz. Nos caminhos sinuosos que conduzem até a ponte a jovem saiu correndo na frente. Tarik hesitou por alguns instantes e não resistiu. Correu atrás e só alcançou sua namorada bem na entrada da ponte.

A luz do sol brilhava perante Lilouche – que refletia muita paz e amor. Como de costume abriu os braços para Tarik e perguntou. – Você quer um abraço? Dessa vez ele escondeu e gritou eu quero enquanto corria diretamente para os braços de Lilouche.

Ela então colocou as duas mãos no rosto moreno de Tarik e disse je t'aime plus que tout au monde. Tarik estava tão leve e diferente. Sentia-se muito amado e abençoado nos braços de Lilouche. Sabia que tinha levado muito sorte e que muitos refugiados não tiveram o mesmo destino e por isso mesmo sentia muita gratidão por aquela jovem que tanto o amava.

Sentaram no mesmo lugar onde estiveram juntos dois anos antes pela primeira vez. Dessa vez não tinha lágrimas nos olhos de Lilouche nem a escuridão nos olhos de Tarik. Então Lilouche prosseguiu:

- Meu amor – hoje é um dia muito especial. Tenho uma carta de compromisso para a eternidade. Agora não seremos mais só eu e você. Tome, abra e leia!

Naquela altura dos acontecimentos Tarik sentia-se acolhido pelo mundo inteiro. Abriu a carta e leu justamente o que lhe interessava. Era um exame de gravidez, confirmando que Lilouche estava com oito semanas de gravidez.

- Veja meu amor, você percebe que agora tens uma família. Nós somos uma família