quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Nudez da Meia Noite

sexta-feira, 5 de agosto de 2016



Por vezes fujo da tela em branco  porque fico nu de copo e alma. É preciso muita coragem para escrever com o coração - mais fácil é divagar sobre o mundo que me cerca. Essas paredes, cidades, ruas e carros que não são meus. Descrever a beleza das mulheres que passam desviando olhares. Os produtos na vitrine. As flores da primavera.  Porém, sobre as nebulosas  do meu interior. As cores , os tons, as temperaturas que habitam o meu corpo em um único dia. Essas explosões que formam e destroem estrelas, só mesmo  para quem tem coragem. 

Passaram 32 anos até aqui. Sei que o sol da minha vida anda morno, assim como minhas entranhas. Alguém  me disse que o início dos 30 anos tem uma mística muito forte. Todavia, isso deve ser para aqueles que caminham sozinho, que enfrentam a clareza de uma solidão iluminada pela tela em branco  emitindo sem cessar -  uma luz cândida e fugaz que pode se apagar somente com o medo, a fuga de si. Basta um instante de dúvida, aflição.Baixa-se a tela, apaga-se a luz e pronto. Por mais uma noite, escapei de mim. 

Acontece que o dia e a noite são filhos do mesma força. Tem dias que são longos e me ajudam a escapar das noites diante de uma tela em branco. Decido que não. Hoje não. Passo ao lado, desvio. Abro um site de videos. Escuto músicas e deixo-me levar por memórias que projetam vidas e momentos que nem sei quando ou onde vivi. O que será?  Será que é poesia, literatura ou loucura...
Supero cada   dia certo de que uma hora, em algum lugar a foice da morte irá riscar meu corpo deste planeta. Terei que partir - tal qual um indigente ou um rei. O último suspiro é igual para o rico e o pobre. O belo e o feio, dar-se conta da morte para alguns é o ápice da vida. 

Tem dias que grudam em mim como cola de sapateiro - passo arrastando tudo e todos para dentro de um capsula atômica que alimenta e se inflama nessas noites que se explodem dentro de mim. Voltava da loteria, esse lugar onde pobres mortais vão pagar as contas e apostar na sorte. Dessa vez fui como convidado. Na volta passei diante de uma escola. Devia ser uma creche. Um monte de criancinhas lindas, cheirosas e manhosas. Vi um pai - devia ser alguns anos mais velho que eu. Carregava uma menina chorando no colo e puxava um outro mais velho com a outra mão. Era de uma delicadeza cortante. Disse para meu amigo; Porra -  é isso disso que preciso. Umas criaturinhas dessas para cuidar e educar. Não tive isso com minha filha que em breve irá completar 10 anos. Nem sei o que será de mim.Mas sei o que sou e como estou longe dela.  

As vezes, como nessas noites, penso que não terei amigos para escutar todas essas aventuras que vivi para sempre. Por aqui, escrevo para leitores ocultos. Gente que não me olha nos olhos ou mesmo senta em um banco ao meu lado. Isso eu tive nas praças por ai quando encontrava meus amigos e camaradas da vizinhança onde cresci e me formei. Eles sumiram, todos sumiram. Até a praça foi desmontada. Chegou outra turma. Surgiu outra vibe. Hoje estou longe, mais uma vez longe. Só mesmo amor poderia me governar. Morrerei tentando. Quero pagar todas as minhas contas. Ser maior que todos os meus pecados e finalmente - me deixar ser roído pelos vermes da transmutação eterna. 

Sabe, é o mistério que me acalma, não as revelações, porque essas  aparecem em qualquer lugar, sem hora ou aviso prévio, basta estar atento. Tem mistérios que não compreendo - mas sinto que são bons, um sinal de algo que não compreendo todavia. Levo fama de ser um cara duro e ríspido. Muitas atitudes minhas colaboram com essa visão que algumas pessoas tem de mim. Agora, porque tudo quanto é criancinha, ao me ver fixa os olhos em mim como se conhecessem as profundezas da minha alma. Sorriem para mim como se encontrassem um velho amigo. Já estive em lugares tão distintos. Casas, castelos, vilas no meio da floresta. Apartamentos luxuosos. Sentado em tapetes persas  ou quintais de barro onde crianças se apaixonam por mim no primeiro olhar. Confesso aqui para você meu caro leitor oculto que por vezes já me desviei de certos lugares onde habitam criancinhas filhas de estranhos , só para não me sentir desnudo. 

Agora mesmo lembro de uma especial. Deixo aqui o registro para que aqueles que testemunharam um dia possam confirmar tudo isso. Eu estava num set de filmagem dentro de bairro humilde no centro de Manaus. Um lugar de muitas palafitas e casas de suspensas em cima dos igarapés que cortam o centro da cidade. Estava acompanhado de gente muito mais simpática que eu. Um careca gente fina. Um viking barbudo e uma produtora que em tese parecia ser muito mais familiarizada com crianças. Era a casa de uma mãe de santo. Uma dessas negras velhas cheia de força e magia. A garotinha era branca e tinha um par de sobrancelhas bem marcantes. Tão inocente brincava só de calcinha naquela casa simples onde o calor de equatorial fazia qualquer um ter vontade de tirar as roupas. Entrou todo mundo na casa da mulher. A criancinha estava distraída brincando com uma bonequinha. Nem deu bola para todos aqueles que me antecederam - invadindo seu espaço com os   materiais e equipamentos que compõem um set de filmagem. 

Bastou eu entrar na sala para ela largar a saia da vó e correr para minhas pernas. Era pequenina, em pé não passava dos meus joelhos. Era manhã de sábado, estava de óculos escuros e numa ressaca braba. Aquela cara de poucos amigos estampada na face. Mas a garotinha só queria saber de mim.  Seguia-me por todo os lados. Olhava direto nos meus olhos como se conhecesse meu passado mais longinquou. Fiquei desconcertado com toda aquela ternura. A nega velha exclamou. Caramba, ela gostou de você. Eu sem jeito,dei com os ombros. Tentei fazer um carinho nela, umas gracinhas achando que ia parar. Gravamos o que precisávamos e a garotinha não saio do meu lado um segundo. Ela não tinha dois anos completos. Jamais me esquecerei dela. E porque to revelando isso? 
Não interessa. Estou fluindo nesta noite. Preso à minhas próprias circunstâncias numa espiral  que só irá me libertar ao final deste texto que não tem rumo nem hora para terminar. 

Bom, ser místico é ter coragem de atravessar uma noite escura. Enfrentar uma tempestade numa canoa no meio do Rio Amazonas, certo que não será as ondas nem os ventos que irão lhe ceifar a vida,mas sim uma força maior que pode soprar na brisa de um alvorecer. Assim eu já atravessei o vale da sombra da morte. Andei nas margens do mar morto. Sentei-me com meus detratores e sorri para eles fingindo não saber o que estava escrito na testa de cada um.  O que se revelava em cada sorriso falso. 

Sempre que supero os parágrafos consigo dissipar a bruma da solidão, acalmar meu coração e me sentir em harmonia com o caos que governa meu interior. Viver é um ato de coragem que não deve ser desperdiçado com egoísmo. Até mesmo a solidão deve ser compartilhada - por isso escrevo. Assim me atrevo. Me lanço ao julgo alheio certo de que meu trabalho nessa terra há de encerrar como as linhas deste verso. Um dia sem avisar eu vou. E daqui não levarei nada se não aquilo que compartilhei. Escrevo, escrevo... Essa é minha espada, minhas armas e ferramentas. Tenho outras habilidades e conhecimentos. Porém escrever é a atividade mais insana e solitária que existe. Basta-me uma noite longa e uma tela em branco. 

Hoje precisamente é sexta-feira. Tem um mundo lá fora cheio de vida. Os jogos olímpicos do Rio. Na minha casa não tenho televisão. Jamais pensei nesse dia. Não pude ver a abertura dos jogos olímpicos. Tudo bem! Sei que verei em algum momento. O mais importante do dia foram as conversas que tive. O churrasco, cortesia de alguém que veio de muito longe, tocada pelo amor. Escrever é como descascar minha alma pesada. Trocar de capa. Quando escrevo troco de coro feito cobra. Ao final de um momento dolorido como esses que se estendem por noites embaladas por clássicos do Rock´in´roll saio por aqui nestas linhas derradeiras mais leve. Mais confiante. Sei que quando voltar por aqui novamente virei com uma bela ficção. Um ensaio, um romance em forma de conto ou poema. 

É preciso ter coragem para chegar até esse parágrafo sozinho e pelado. Eu, as paredes, a sala vazia, o quarto vazio. As estrelas do firmamento e você, caro leitor oculto que chegou até aqui. É foda, só que é necessário. Se me interessa o que você vai pensar sobre o que escrevo? Sinceramente... isso é problema seu. Passei, to aqui mais leve. Alguns confessam seus pecados e fraquezas para padres ou psicanalistas. Eu os confesso para o mundo, com endereço fixo e nota e promissória Vou dormir para esta vida e acordar para o mundo dos sonhos. Já passa da meia noite. Sozinho - posso transcender esse momento, dormindo para esta vida que mais parece um sonho embasado de acontecimentos que se embolam nos meus caminhos. Dormindo descuro outras camadas e me cubro com a capa dos anos que me abraça o corpo e me envelhece faz tempo. 

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