quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Buttes-Chaumont - La surprise

domingo, 28 de agosto de 2016


A primeira impressão da França em nada se parecia com as aulas de História na Universidade de Allepo. Paris é  um lugar conhecido, porém, nada familiar. As roupas sujas e molhadas. A barriga vazia,  o corpo frágil e uma solidão sem tamanho cercavam os sentidos e a  alma despedaçada do jovem Tarik Latiff, 24 anos.

Um românico incurável que cresceu em uma família grande e muito afável. Seu pai um autêntico comerciante de tapetes que exportava para muitos países. Sua mãe amorosa  vivia para os filhos. Tarik adorava passear pela milenar cidade de Allepo onde nutria amizades com gente de todas as classes e idades. Aprendeu com o seu pai Ibrahim  Latiff que tudo o que poderia conseguir de mais valor das pessoas era o respeito; `` Primeiro você oferece o respeito, depois você o cultiva, e somente então,  você o conquista``. Essas palavras que durante muito tempo iluminavam as ações do jovem Tarik, hoje parecem vazias de sentido.

Quando a guerra começou a cercar Allepo, Ibrahim Latiff acreditou que poderia proteger sua família. Recusava-se a acreditar no que muitos já tinham certeza. A guerra destruiria tudo. Até mesmo a alma das pessoas. Em apenas quatro dias organizou a retirada. Iriam para Turquia e de lá para  Grécia. Vendeu o que pode. Recolheu as economias e abandou tudo.

A família Latiff foi só mais uma dentre milhares que se acabaram no caminho até a Europa. Separações. Mortes e torturas. Decisões que um pai jamais pensou em tomar. Noites escuras, assaltantes, mercenários. Estupradores. Propostas indecorosas.

Na França – restou apenas Tarik.  Um corpo humano recheado de terror. Os olhos de mortes um coração que esguichava sangue pelos olhos castanhos do moribundo refugiado Sírio. Embora dominasse a língua de Gustav Flaubert, o rapaz não conseguia pronunciar uma palavra. Talvez por fome ou medo. Talvez os dois juntos.

Como um rato Tarik sobreviveu na cidade luz por meses até que os caminhos da vida lhe conduzissem  até o Parc des Buttes Chaoumont. Nada em Paris lhe pareceu mais familiar. Nem o Museu do Louvre, nem o Rio Senna, nem o Champs Elysées. A Torre Eiffel não passava de um símbolo de guerra para Tarik.

Um dia atravessou uma rua com a cabeça baixa. Sem perceber  entrou no Parc des Buttes Chaumont. Era final de tarde quando chegou ao lago que jazz no centro do parque. De onde estava fitou uma pequena ponte e pensou: A ponte do suicídio! Olhou em volta e percebeu que estava cercado por imensas colinas. Dali não podia mais ver Paris com todo  seu esplendor aterrorizante. Cada bulevar, as árvores, as varandas, os prédios da belle époque. Tudo aquilo era terrivelmente oposto ao que tinha restado em Allepo.

O sol começava a cair   detrás  das colinas  quando Tarik iniciou  a subida  até a ponte do suicídio.  Cada passo  exigia uma força hercúlea. Alcançar aquela ponte era naqueles instantes, como alcançar a liberdade. O caminho estreito e sinuoso provocou delírios no pobre rapaz que imaginava que lá no alto sua família o esperava para um banquete. Podia ouvir o barulho das conversas e o tintilar dos talheres na mesa.

Após virar uma curva – aqueles barulhos subitamente  transformaram-se em sussurros.  O que fez Tarik cair na real e despertar dos seus delírios. Uma jovem de cabelos robustos e dourados chorava copiosamente agachada no chão que estava encharcado por uma torrente de lágrimas.

No primeiro instante – Tarik não sabia o que fazer. Pensou em dar meia volta, contudo   manteve-se  no caminho. Ao se aproximar a jovem ergueu a cabeça. Revelou-se a luz no meio da escuridão.   Um par de olhos  azuis  celeste. O rosto ruborizado e angelical somados  aos cabelos de Lilouche – desmontaram os planos do suicida.  

Com a boca aberta, ela tentou falar, mas soluçava tanto que mal conseguia pronunciar as palavras. Com muito dificuldade disse: s'il vous plaît aidez-moi e estendeu as mãos na direção de Tarik que  correspondeu timidamente estendo o esquerdo.  Sentou-se ao lado da jovem e ficou ali por alguns minutos. Sem dizer uma palavra. Ela apertava sua mão com força.

Após alguns minutos, disse: Eu tentei me matar. Senti o gosto da morte. Quase me atirei da ponte.  Foi horrível! Aquelas palavras causaram espanto em Tarík – que sentiu pelos olhos amedrontados de Lilouche o terror suicida. Foi então que pronunciou as primeira palavras em Francês: Comment puis-je vous aider?

Foi então que Lilouche pediu para que Tarik a acompanhasse até sua casa no Belleville. Como num passe mágica Tarik esqueceu-se por alguns minutos dos seus problemas e só conseguia pensar e observar aquela jovem que falava sem para enquanto revelava  uma história tão comum quanto um café com croissant. A jovem francesa acreditava  estar grávida de um americano que sumiu sem deixar rastro. O que para ela representava o fim do mundo.

Logo aquela conversa entediou o jovem refugiado que começou a achar aquilo tudo muito banal para custar uma vida. Quando chegaram na porta do prédio de Lilouche, ela finalmente perguntou: Tu t'appelle comment?. O rapaz engoliu seco, e antes de responder -  distraiu-se por alguns segundos com os olhos azuis e todo aquele viço presente no rosto daquela jovem parisiense: Je m'appelle Tarik.

O nome árabe despertou Lilouche que finalmente o observou. Olhou para as roupas, a aparência frágil e os olhos de terror do rapaz. Demonstrando interesse, perguntou. Onde o Tarik morava. Ele explicou em poucas palavras que era um refugiado de guerra. Não tinha ninguém, nem família. Nem casa.

Dessa vez foi Lilouche que engoliu seco e se distraiu com os olhos castanhos de Tarik. Botou a mão no rosto e pensou em voz alta; - Então você não tem aonde ir. Deve estar com fome. Aguarde aqui, vou trazer algumas roupas e um pouco de comida!

Foi  início de uma grande amizade...

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